"Semana passada liguei pro meu melhor amigo e convidei para um cinema. A
gente não se falava desde o ano novo, quando tudo deu errado pro nosso
lado. De tempos em tempos sumimos, falamos umas coisas horríveis de quem
se conhece demais. Ele topou desde que fosse daqui pra frente, preguiça
de conversar da briga e tal. E fomos. Cheguei antes, comprei. Ele
chegou depois, comprou água. Porque eu comprei os ingressos, ele comprou
também uns doces e disse que pagaria o estacionamento. Porque ele
pagaria o estacionamento, eu disse que daria a carona da volta. E com
meu coração tão calmo eu voltei a sentir o soninho de sofá de casa com
manta que sinto ao lado dele. A gente não se beija nem nada, mas quando
vai ver pegou na mão um do outro de tanto que se gosta e se cuida e se
sabe. Já tivemos nossos tempos de transar e passar nervoso e aquela
coisa toda de quem ama prematuramente. Mas evoluímos para esse amor que
nem sei explicar. Ele me conta das meninas, eu conto dos caras. Eu acho
engraçado quando ele fala “ah, enjoei, ela era meio sem assunto” e olha
pra mim com saudade. Ele também ri quando eu digo “ah, ele não entendeu
nada” e olho pra ele sabendo que ele também não entende, mas pelo menos
não vai embora. Ou vai mas sempre volta. Não temos ciúmes e nem posse
porque somos pra sempre. Ainda que ele case, more na Bósnia, são quase
dez anos. Somos pra sempre. Ele conta do filme que tá fazendo, eu do
livro. Os mesmos há mil anos. Contar é sem pressa de acabar. Se ele me
corta é como se a frase que eu fosse falar fosse mesmo dele. É um
exibicionismo orgânico, como se meu silêncio pudesse continuar me
vendendo como uma boa pessoa. São dez anos. É isso. Ele me viu de cabelo
amarelo enrolado. Eu lembro dele gordinho e mais baixo. Eu já fui bem
bonita numa festa só porque ele queria me fazer de namorada peituda pra
provocar a ex. Minha maior tristeza é que todo novo amor que eu arrumo
vem sempre com algum velho amor tão longo e bonito. E eu sofro porque
com pouco tempo não consigo ser melhor que o muito tempo. E de sofrer
assim e enlouquecer assim, nunca dou tempo de ser muito para esses
amores porque estrago antes. Mas meu melhor amigo é meu único amor. O
único que consegui. Porque ele sempre volta. E meu coração fica calmo. E
ele vai comigo na pizzaria e todos meus amigos novos morrem de rir
porque ele é naturalmente engraçado e gente boa e sabe todos os assuntos
do mundo. E todo mundo adora meu melhor amigo. E eu amo ele. E sempre
acabamos suspirando aliviados "alguém é bobo como eu, alguém tem esse
humor" e mais uma vez rimos da piada que inventamos, do pai que chega
pro filho e fala: sua mãe não é sua mãe, eu transei com outra". E esse é
meu presente dessa fase tão terrível de gente indo embora. Quem tem que
ficar, fica."
- Tati Bernardi

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